14 junho 2005

Passo


Há uma impossível hora da noite em que despimos a roupa, toda a roupa, para a admissão do que está sobre a pele : a própria pele. E do que está sob ela, músculos, coração, órgãos internos. Nossas fragilidades, nossos limites. Nossos sonhos, nosso desejo. Despida a roupa, mais nada a proteger-nos . Somos nós e nós.
Uma hora de silêncios almofadados pelos pequenos ruídos da madrugada, a deste reconhecimento. A hora que nos permite tomar decisões .
Dei o salto que havia a ser dado. Um salto na direção da minha verdade, da minha integridade nesta aventura . Uma guinada, onde tantos hesitam. Pode-se dizer que nunca me arrependerei do que fiz, ou do que não fiz. Temos da vida apenas o que vivemos e é nisso que baseamos o nosso olhar se tivermos um pouco de sabedoria. A vida não nos espera quieta. As margens deste rio não são uniformes, as águas caminham suaves em pequenas praias, despencam vertiginosamente, rolam sobre rochas, correnteza imparável, roçam arestas. Cabe-nos avaliar, atos e conseqüências, sem medo. Mas principalmente cabe-nos viver. Não se pode esperar apenas limpidez e calma. Corro o risco de que me imaginem uma criatura destituída de autocrítica a engrandecer seu próprio caminho. Ah, não. Tenho-a de sobra e ainda estou aprendendo a vida. Erro, acerto, erro novamente. Mas não me arrependo, não renego, não me curvo às soluções fáceis, não desvio o olhar de mim mesma. E sorrio, porque sempre tenho vontade. Vontade, sabem? E a necessidade intrínseca de não me deixar transformar numa criatura de convicções inflexíveis. Numa criatura amarga, numa criatura cínica. Ou como tantas, em alguém que despreza o que não alcançou apenas porque não chegou lá.
O mais é olhar os dias passarem com a paciência de quem sabe onde quer chegar e sabe que na vida não se chega facilmente a nenhum lugar. Paciência não é acomodação, ou medo, ou desistência. É não nos precipitarmos para agarrar freneticamente algo que nem sabemos o que é, ou se é. Tudo custa um olhar demorado, muita tolerância, atenção aos detalhes. Carinho para preservar o que amamos. E determinação. A decisão firme de ser feliz. O corpo e a mente abertos ao amor. A inteireza aberta às diferenças, aos pensamentos divergentes. Sempre o espaço para reexaminar o que se apresenta. Rever, reavaliar.
Nunca fui uma mulher perfeita. Isto é de certa forma um orgulho. Não preciso, não quero disfarçar os meus defeitos, eles não me envergonham, ainda que se constituam falhas. Não os escondo. Mas não os exibirei aqui. Defeitos e qualidades são temas para a intimidade. Afinal quem sou eu além de mais um ser humano neste mundo, uma mulher? Nada. Isto é o muito e o pouco que sou.
Dei o salto que havia a ser dado. E é isso que interessa. Darei outro quando se apresentar o átimo por onde meus olhos deságüem.

Silvia Chueire

A parte em itálico é o meu dilema...